
Médicos na Argentina já estavam em alerta máximo quando uma mulher russa grávida chegou ao hospital em 21 de março com outras duas mulheres para dar à luz. Funcionários do hospital na cidade patagônica de Bariloche já as tinham visto antes – quatro dias antes, elas tiveram dificuldade para responder a perguntas sobre onde moravam e qual era o seu parentesco. A futura mãe, de 22 anos, parecia nervosa e desnutrida, e seus acompanhantes não a deixaram falar, de acordo com relatórios policiais e o Ministério Público argentino.
As mulheres que a acompanhavam imploraram aos médicos que documentassem o sobrenome do bebê como Rudnev — o nome de um notório líder de culto que atuava no país — que eles insistiam ser o pai, de acordo com um relatório do promotor.
Uma semana depois, a polícia argentina localizou Konstantin Rudnev em um dos aeroportos da cidade e o prendeu – parte de uma onda de prisões naquele dia de mais de uma dúzia de cidadãos russos que se acredita estarem associados ao seu grupo. As duas mulheres que acompanhavam a gestante ao hospital também foram presas em uma operação na casa em que compartilhavam o mesmo lar.
Segundo o promotor argentino Fernando Arrigo, a mulher grávida pode ter sido vítima do Ashram Shambala de Rudnev, uma organização descrita pelas autoridades russas como uma seita.
Nem Rudnev nem seus associados foram acusados de qualquer crime na Argentina, onde as investigações criminais começam com a prisão e a investigação antes das alegações formais. O gabinete de Arrigo afirma estar examinando a possibilidade de a mãe e seu bebê terem sido coagidos a participar de um esquema para que Rudnev obtivesse a cidadania argentina por meio do nascimento de um filho no país.
Seu gabinete está investigando oficialmente 21 cidadãos russos no país que são acusados de “fazer parte de uma organização criminosa que, para fins de tráfico sexual e escravidão, recrutou uma mulher de 22 anos trazida da Rússia”.
Questionados sobre a investigação e a alegação de que Rudnev é um líder de seita, seus advogados na Argentina se recusaram a comentar.

O ‘guru’ alienígena do Ashram Shambala
Graduado em engenharia mecânica e agora líder religioso, Rudnev fundou o grupo religioso Ashram Shambala em 1989. De acordo com a agência de notícias estatal russa RIA Novosti, ele disse aos seguidores que era um “alienígena de Sirius”, um messias enviado à Terra para salvar as pessoas.
A seita já esteve presente em 18 regiões da Rússia, incluindo Moscou e São Petersburgo, e chegou a ter 30 mil membros. Muitos deles cortaram contato com suas famílias e se juntaram ao grupo, onde veneravam seu fundador.
Rudnev difundiu sua filosofia e recrutou seguidores por meio de aulas de ioga, informaram autoridades russas que investigam o caso à RIA Novosti. Seu livro “O Caminho do Louco” ridicularizava a ideia de constituir família, o desejo de ter filhos, estudar e trabalhar, e exaltava a submissão cega aos seus desejos, informou a RIA.
Autoridades russas já haviam tentado levar Rudnev a julgamento, mas os casos nunca chegaram a julgamento porque seus seguidores se recusaram a testemunhar. Esses seguidores, segundo fontes judiciais russas, disseram que se juntaram à seita voluntariamente e não tinham intenção de sair, informou a RIA Novosti na época.
Em 2013, um tribunal distrital na Sibéria condenou Rudnev a 11 anos de prisão por estupro, atos sexuais violentos, tráfico ilegal de drogas e por criar um grupo religioso que viola os direitos dos cidadãos, de acordo com a RIA.
Quando a polícia prendeu Rudnev e outras oito pessoas no aeroporto de Bariloche em 28 de março, ele tentou, sem sucesso, se machucar, segundo o relatório do promotor.

Os investigadores disseram que todas as mulheres presas, juntamente com Rudnev e outro homem naquele dia, apresentavam “sinais de desnutrição” semelhantes aos que colocaram a equipe do hospital em Bariloche em alerta.
Uma busca em seus celulares revelou que “rações alimentares e compras de vários produtos foram autorizadas, e o jejum obrigatório foi ordenado como forma de punição”, de acordo com Arrigo.
As autoridades também encontraram em alguns dos viajantes e em suas casas mais de cem comprimidos de cocaína, um telefone via satélite, uma dúzia de celulares, quase US$ 1.000 em pesos argentinos e outras moedas, além de duas caminhonetes. Os imóveis alugados pelos supostos membros do Ashram Shambala tinham janelas escurecidas e colchões no chão, de acordo com o relatório do promotor. CNN MUNDO