
Em várias zonas periféricas de Luanda e noutras províncias de Angola, o cenário é cada vez mais chocante: cabeças de peixe, outrora consideradas restos, tornaram-se o principal “alimento” de muitas famílias. Esta nova realidade é um retrato gritante da crise socioeconómica que o país atravessa, marcada pelo alastramento da pobreza, má governação e escassez de emprego.
Em mercados informais como o da Estalagem, Asa Branca e Catinton, mulheres sentadas ao chão vendem, em pequenos sacos plásticos, cabeças de peixe a preços simbólicos. “É o que está a dar. As pessoas já não têm dinheiro para comprar o peixe inteiro”, diz Maria António, vendedora no mercado do Kikolo. “Muitos compram só a cabeça para fazer um caldo e enganar a fome.”
Segundo economistas locais, este fenómeno é apenas a ponta do icebergue de uma profunda crise económica alimentada por má gestão dos recursos públicos, corrupção institucionalizada e uma crescente taxa de desemprego, principalmente entre os jovens.
“Estamos a assistir ao colapso da dignidade alimentar. Quando um povo começa a alimentar-se com restos, é sinal de que as estruturas do Estado falharam completamente”, afirma o analista económico Armando Chivela.
O governo tem prometido programas de combate à pobreza e de incentivo ao emprego jovem, mas para muitos, essas promessas não passam de discursos. “Falam de planos, mas no bairro não se vê nada. Estamos a viver pior do que no tempo da guerra”, denuncia João Carlos, morador do Cazenga.
Organizações da sociedade civil e ONG’s têm vindo a alertar para o risco de uma catástrofe humanitária silenciosa, apelando à comunidade internacional para prestar mais atenção ao que se passa em Angola.
Enquanto isso, nas ruas, a venda de cabeças de peixe transforma-se em símbolo de um país onde a fome deixou de ser estatística para ser realidade crua e visível.