Sex. Abr 25th, 2025

A decadência de um país: Política
ou politiquice?

Olhemos bem: a cada dia que passa, deveria cada um de nós escrever um livro sobre a decadência de um país. A realidade, por mais cruel que seja, exige mais do que palavras apressadas e discursos vazios. Se me fosse permitido o devaneio, talvez eu sugerisse: “Vamos vender o país!” Leiloá-lo, sim — aos que sabem governar com carinho e sabedoria. Mas eis o problema: os que nos governam são como os ratos que, na minha infância, roíam as palhotas em silêncio. Faziam-no sem pressa, com astúcia e zelo, de modo que o dano só fosse sentido quando já não houvesse mais palhota para salvar. Assim se apresenta a nossa política: um roer silencioso que se entranha no cotidiano que, quando não sentimos, é porque já estamos adormecidos pelo ardor.

Por: John Kanumbo


Mas o mais preocupante é que, ao se sentarem os gabinetes, muitos decidem acreditar que estão a fazer algo de proveitoso — esquecem-se de que sua política é política. E então, doendo, a política deixa de ser arte e ciência de governar com ética, visando o bem comum. É práxis que constrói, transforma, emancipa e dignifica. Já a politiquice, com “p” minúsculo, é o subproduto vil dessa nobre arte — é oportunismo, manipulação, demagogia e uso descarado do poder para fins pessoais.

Em Moçambique, temos assistido à morte lenta da política verdadeira. No seu lugar, sobrevive uma politiquice triunfante, sustentada por discursos sobre unidade, paz e esperança — enquanto o povo jaz em ruas esburacadas, em promessas não cumpridas. “A chama da unidade”, tantas vezes acesa em cerimônias solenes, não aquece o frio das ruas de Maputo, Nampula ou Cabo Delgado. É uma unidade de vaidade, não de verdade. É distância entre o povo e os que o devoram.

O povo já não se ilude mais: as promessas esvaziam-se na prática. A elite política fala de desenvolvimento, mas não passa de gestoras de suas próprias carreiras. O país, vendido em acordos com multinacionais, esvazia o país de suas riquezas e empanturram-se em jantares de gala enquanto a maioria morre de fome e desesperança.

Não é mais admissível viver à mercê da politiquice. O povo precisa se levantar e exigir que a política volte a ser feita em seu nome. Se não tomarmos o controle da narrativa, a nossa história continuará a ser escrita pelos mesmos, para os mesmos. E já vimos como essa história termina: em decadência, mentira e dor.

Mas tudo isso tem raízes profundas. Um momento simbólico — e muitas vezes ignorado — da história política de Moçambique foi a cerimônia pública de prisioneiros da FRELIMO, em Abril de 1975, em Nachingwea, Tanzânia. Sob o comando de Samora Machel, 360 prisioneiros foram submetidos a ensaios de formação política sob o que se chamava de “pureza revolucionária”. Entre os prisioneiros estavam líderes sindicalistas, operários, estudantes e camponeses que ousaram desafiar Samora e a FRELIMO.

Essa encenação não foi apenas um acto de força: foi um símbolo de como o poder se consolidava pela humilhação do dissenso. A retórica de unidade e reintegração era, na verdade, uma doutrinação camuflada, um mecanismo de apagamento de vozes divergentes. Era o nascimento de uma política moldada pelo medo, pela exclusão e pelo controle ideológico.

A promessa de uma política libertadora esmurrou, então, na dureza do FRELIMO, proclamando-se única força, passou a silenciar e marginalizar outras visões de Moçambique. A pluralidade foi sacrificada em nome de uma suposta unidade. O que começou como luta por liberdade tornou-se autocracia disfarçada de governo popular. O mito da unidade apagou a possibilidade de debate.

E o que temos hoje? Décadas depois, essa energia ainda carrega os vícios de uma política monopolizada. A cultura do medo persiste, alimentada por narrativas de divisão, de silenciamento e de cada vez mais da cidadania.

Devemos, portanto, perguntar: quem está a ser servido por essa política? O povo ou uma elite faminta de controle? A resposta, infelizmente, salta aos olhos. E é por isso que urge uma nova política — não de aparência, mas de substância. Uma política que não tema o dissenso, que abrace a pluralidade, que enfrente a corrupção e devolva ao povo o que é do povo.

Como dizia Lázaro Nkavandame: “Quem sabe o que seria Moçambique se, em vez de políticas que favorecem os poderosos, decidíssemos escrever uma nova história?” Chegou a hora de reaprender o sentido da política e desaprender a politiquice. De reerguer Moçambique com os pés próprios, com verdade, com coragem e com justiça.

Moçambicanos, a hora é agora. A história ainda está sendo escrita. Que não sejamos apenas personagens de uma história alheia. Que sejamos autores de nossa própria história, não de tiranos, mas de cidadãos dignos de uma nova liberdade, dignidade e um novo rumo para a nossa nação.

Recomendado para você

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Conteúdo protegido por MozToday.