
Na semana passada, ao apresentar o balanço dos seus primeiros 100 dias à frente dos destinos do País, o Presidente da República, Daniel Chapo, lançou uma afirmação de peso, de enorme gravidade institucional e moral: “descobrimos que dentro da LAM fomos entregar raposas para cuidar de um galinheiro, ou gatos para cuidarem de ratos”. Palavras duras, mas infelizmente demasiado reais, que descrevem com uma clareza perturbadora o estado de degradação a que chegou a gestão da companhia aérea nacional, as Linhas Aéreas de Moçambique (LAM). A partir do mais alto cargo da nação, veio a confirmação daquilo que há muito tempo pairava no ar: a LAM foi (e está a ser) sabotada internamente por indivíduos que, tendo responsabilidades públicas, optaram por servir os seus próprios interesses, em detrimento do interesse nacional.
Segundo a explicação presidencial, uma das acções de impacto previstas para os 100 primeiros dias de governação era a aquisição de três aeronaves para reforçar a frota da companhia aérea. Contudo, não só essa meta não foi cumprida como se revelou um escândalo de gestão e sabotagem. Uma equipa técnica foi enviada à Europa para inspeccionar aeronaves, mas, inexplicavelmente, regressou ao País sem ter inspeccionado um único aparelho. 15 dias de missão, viagens, estadias e ajudas de custo — tudo pago com dinheiros públicos — para um total de zero resultados. Tal desempenho não se explica com amadorismo ou má sorte. Explica-se com dolo. Explica-se com corrupção, com o enraizamento de práticas ilegais e com o desprezo absoluto pelo bem público.
Ora, perante factos desta magnitude, esperar que os responsáveis sejam simplesmente dispensados, como sugeriu o Chefe de Estado, é não apenas insuficiente — é perigoso. Mandar estas “raposas” para casa, como se fossem apenas funcionários que falharam pontualmente nas suas funções, é brindar os criminosos com o prémio da impunidade. É deixá-los livres para continuarem a gozar das fortunas acumuladas à custa do sofrimento de milhões de moçambicanos. É permitir que se mantenham confortavelmente instalados, quiçá em novas redes de influência, prontos para continuar a roubar com outras máscaras e outros nomes.
O Estado moçambicano, se quer de facto combater a corrupção, tem de abandonar o modelo de acomodação que durante demasiado tempo vigorou — o modelo de deixar os corruptos “irem-se embora”, de os afastar com discrição, sem processo disciplinar nem responsabilização criminal. Essa abordagem, além de ineficaz, é imoral. E só contribui para o agravamento da crise nacional. A corrupção não é um desvio de conduta tolerável. É um crime. Um crime que desvia recursos essenciais ao desenvolvimento, destrói instituições, desmotiva os servidores públicos sérios e empobrece uma população já exausta de promessas não cumpridas.
Por isso, é imperioso que sejam feitas diligências urgentes e sérias para responsabilizar criminalmente todos os indivíduos envolvidos neste e noutros casos. Não basta afastá-los. É necessário identificá-los, investigá-los, levá-los a tribunal e aplicar penas compatíveis com a gravidade dos actos. A Procuradoria-Geral da República deve agir com celeridade. O Gabinete Central de Combate à Corrupção deve ser mobilizado. Os órgãos de inspecção do Estado têm de fazer o seu trabalho. Se o Presidente da República tem conhecimento de actos deliberados de sabotagem por parte de gestores públicos, tem o dever legal — e moral — de activar os mecanismos judiciais competentes para apurar responsabilidades.
O caso da LAM é apenas a ponta visível de um icebergue de má gestão e corrupção disseminada por todo o aparelho de Estado. Há “raposas” não só nas companhias públicas, mas também nos ministérios, nas empresas participadas, nas direcções provinciais, nas autoridades reguladoras e em inúmeros outros sectores estratégicos. São indivíduos que enriqueceram ilicitamente enquanto o País mergulhava em dívidas, fome, desemprego e insegurança. A sua acção é criminosa e tem consequências devastadoras para o presente e o futuro do País. Não podem continuar intocáveis.
O combate à corrupção exige coragem, firmeza e acção concreta. Exige rupturas com práticas instaladas. Exige a criação de um verdadeiro sistema de responsabilização que não distinga hierarquias, influências ou apelidos. O País não pode continuar a ser vítima de uma elite predadora que age com a certeza de que nada lhe acontecerá. Sem justiça, não haverá reconciliação social nem progresso. O sentimento de impunidade corrói a confiança dos cidadãos nas instituições e alimenta a descrença generalizada.
É tempo de Moçambique dar um passo decisivo na sua história política e moral: punir exemplarmente os que saqueiam o bem comum. A dispensa das “raposas” não basta. É necessário colocar algemas nos punhos de quem roubou, e fazer com que esses indivíduos devolvam ao Estado tudo aquilo que dele se apropriaram indevidamente. Só assim poderemos olhar com verdade e esperança para um futuro de justiça e integridade.
Não há democracia nem desenvolvimento com ladroagem institucionalizada. Que as palavras do Presidente não fiquem pela metáfora. Que abram o caminho para a acção. E que o povo moçambicano comece, finalmente, a ver os predadores da coisa pública sentados no banco dos réus — e não nas varandas luxuosas das casas que construíram com o dinheiro do povo.