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Filhos dos Madjermanes Assumem a Luta dos Pais e Reclamam Justiça ao Estado Moçambicano

Maputo — Três décadas após o regresso forçado dos trabalhadores moçambicanos da extinta Alemanha Oriental, os seus filhos decidiram romper o silêncio e assumir o protagonismo de uma luta que parece ter sido esquecida pelo Estado. Reunidos em pequenos coletivos, fóruns online e marchas simbólicas, os descendentes dos chamados madjermanes estão determinados a obter justiça e esclarecimentos sobre o destino dos salários retidos aos seus pais durante os anos 1980.

“Estamos a falar de milhares de famílias prejudicadas, com pais que deram os melhores anos da sua juventude ao Estado moçambicano e voltaram com promessas vazias. É uma vergonha nacional”, afirma Helena Cossa, de 27 anos, filha de um antigo trabalhador na cidade de Leipzig.

A nova geração exige que o governo moçambicano abra os arquivos sobre os acordos celebrados com a República Democrática da Alemanha (RDA), apresente relatórios financeiros detalhados e reconheça publicamente a dívida histórica. Para eles, o silêncio institucional é tão ofensivo quanto a dívida em si.

“A luta dos nossos pais foi pela sobrevivência. A nossa é pela memória e dignidade. Queremos que o país reconheça esta injustiça, não só com palavras, mas com ações concretas”, afirma Ernesto Mucuavele, jovem ativista que organiza debates sobre o tema em universidades de Maputo.

Apesar de promessas ocasionais de “soluções definitivas” feitas por sucessivos governos, até hoje não há um mecanismo claro para compensação. As manifestações organizadas pelos madjermanes têm sido, por vezes, reprimidas, alimentando ainda mais a indignação das novas gerações.

Os madjermanes (ou magermanes) são cidadãos moçambicanos que trabalharam na antiga Alemanha Oriental (RDA – República Democrática Alemã) entre os anos 1979 e 1990, ao abrigo de acordos bilaterais entre os dois governos comunistas da altura (Moçambique e RDA). O termo “madjermane” deriva de uma adaptação popular da palavra “alemães”.

O que aconteceu com eles?

1. Acordo entre Moçambique e a RDA
• Cerca de 16.000 a 22.000 moçambicanos foram enviados para a Alemanha Oriental como trabalhadores contratados, com promessas de formação profissional e poupanças salariais.

• Os contratos estipulavam que parte do salário seria pago localmente na RDA e o restante seria enviado para Moçambique, para ser entregue mais tarde aos trabalhadores.

2. Queda do Muro de Berlim e fim da RDA
• Com a reunificação da Alemanha em 1990, os contratos foram abruptamente cancelados e os moçambicanos foram enviados de volta a Moçambique, muitas vezes de forma forçada ou apressada.

• Ao regressarem, descobriram que o dinheiro que supostamente tinha sido transferido para Moçambique nunca lhes foi pago — ou desapareceu, ou foi parcialmente retido pelo Estado moçambicano.

3. Reivindicações e protestos
• Desde os anos 1990, os madjermanes têm organizado inúmeros protestos e manifestações em Maputo e outras cidades, exigindo o pagamento dos seus salários em atraso.

• Alegam que o Estado moçambicano ficou com o dinheiro enviado da Alemanha, algo que o governo nega parcialmente ou considera como um “assunto encerrado”.

4. Situação atual
• Até hoje, os madjermanes continuam à margem da sociedade, muitos desempregados ou em situação de pobreza.

• Apesar de algumas promessas políticas (sobretudo em períodos eleitorais), não houve uma resolução clara nem o pagamento integral das quantias reclamadas.

• O caso é um dos símbolos mais visíveis de injustiça social e promessas não cumpridas pelo Estado moçambicano pós-independência.

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