
Prometeram-me mil dólares para espalhar tinta. Quase explodi.”

Oleh, 19 anos, foi recrutado pelo Telegram. Em poucos dias, passou de pai desempregado a correio de uma bomba remota. Esta é a sua história — e a de uma guerra que se faz em silêncio, usando os pobres como munição.
Oleh tem 19 anos. Viveu toda a vida numa pequena cidade no leste da Ucrânia. Tem uma filha recém-nascida e, como milhares de jovens no país devastado pela guerra, está desempregado. A família sobrevive com o apoio de uma avó pensionista e alguma ajuda pontual de vizinhos. No bolso, um telemóvel barato. No ecrã, o Telegram.
Foi nessa aplicação que tudo começou.
“Vi uma publicação num canal a oferecer trabalho fácil. Disseram que era só tirar fotos de alguns edifícios, nada ilegal. E pagavam em USDT, em criptomoeda. Respondi.”
Naquela noite, Oleh recebeu instruções simples: deslocar-se até Rivne, uma cidade do oeste da Ucrânia. Lá, deveria encontrar um saco escondido num local previamente indicado. A tarefa — diziam os recrutadores — era pintar um grafiti simbólico na fachada de uma esquadra da polícia. Pagavam-lhe mil dólares. “Dinheiro que nunca vi na minha vida”, confessa.
A missão
Oleh apanhou boleias e comboios, atravessando o país numa viagem de dois dias. Dormiu em albergues, comeu pão e chá nos vagões. Na manhã combinada, chegou a Rivne. As instruções estavam no Telegram: coordenadas GPS, uma foto da entrada da esquadra, e a localização exacta do saco.
“Era um saco de desporto. Estava atrás de um caixote do lixo. Achei estranho ser tão perto da polícia, mas segui o plano.”
Abriu o saco.
Dentro, não havia tinta. Nem latas de spray. Havia fios, um dispositivo selado com fita preta, algo que parecia um telemóvel colado a uma caixa metálica. Instintivamente, percebeu: era uma bomba.
“Pensei: ‘Vão matar-me. Vão explodir-me. Eu sou o alvo’.”
A fuga e a entrega
Em pânico, Oleh afastou-se do local. Sem saber o que fazer, telefonou à polícia local. Minutos depois, uma equipa de desminagem e agentes do SBU (Serviço de Segurança da Ucrânia) chegaram ao local. Confirmaram: o dispositivo era um explosivo improvisado, com sistema de detonação remota via rede móvel.
“Se eu tivesse esperado mais alguns minutos… podia ter morrido ali, com a bomba nas mãos. Como um idiota. Como um peão.”
Foi detido, interrogado e posteriormente libertado sob vigilância. As autoridades concluíram que Oleh era uma vítima — recrutado, manipulado e enviado como correio de uma bomba suicida sem sequer saber. Um corpo barato para uma operação remota.
A guerra invisível
O caso de Oleh não é único. Desde 2024, o SBU estima que mais de 700 pessoas foram recrutadas digitalmente para atos de sabotagem em território ucraniano. Quase um quarto eram menores de idade, alguns com apenas 11 anos.
Os métodos são quase sempre os mesmos: promessas de dinheiro fácil em stablecoins, anonimato garantido, tarefas simples que evoluem para ações criminosas. O Telegram, com os seus canais cifrados e bots automatizados, tornou-se uma das principais ferramentas deste “recrutamento à distância”.
Segundo a própria SBU, muitos dos recrutadores estão ligados a redes de inteligência russas ou grupos de guerra híbrida que operam a partir de território controlado pela Rússia ou em países vizinhos.
“Estão a usar os nossos jovens como bombas descartáveis”, lamenta um porta-voz do SBU. “É uma guerra suja. Uma guerra contra os pobres.”
E agora, Oleh?
Após o incidente, Oleh voltou à sua cidade. Está sob proteção de testemunhas e colabora com as investigações. Ainda não tem emprego. A filha continua a depender de doações e ajuda informal. À pergunta sobre o que aprendeu, responde com voz baixa:
“Aprendi que, se és pobre, és descartável. Eles não queriam que eu vivesse para contar isto.”
Hoje, olha o Telegram com desconfiança. Instalou outro número. Mas diz que continua a receber mensagens suspeitas. A guerra continua — não apenas nas trincheiras, mas nos ecrãs, nas mentes e nos bolsos de quem não tem quase nada a perder.
Com a informação de CNN
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