CCEP absolve Chapo e sacrifica governadora de Gaza por presentes ilegais

Através da deliberação n.°4/CCEP/2025, de 27 de Agosto do corrente ano em resposta a um requerimento apresentado pelo Centro de Integridade Pública (CIP) contra o Presidente da República (PR), Daniel Francisco Chapo, com a alegações de que este pode ter violado a Lei de Probidade Pública (LPP), a Comissão Central de Ética Pública (CCEP) deliberou em sentido contrário (a favor de Daniel Chapo), referindo que este não incorreu numa situação de conflito de interesses por ter aceitado receber bens no exercício das suas funções aquando da sua visita à província de Gaza, no dia 27 de Maio de 2025. Os bens ofertados ao chefe de Estado resultaram, alegadamente, de contribuições da população e de agentes económicos da província de Gaza. A governadora da província, Margarida Mapandzene teve a responsabilidade de anunciar a oferta, o que levou a CCEP a considera-la responsável pela violação à LPP.

A deliberação da CCEP concluiu do seguinte modo (página 7)
1. “A acção do Presidente da República, Daniel Francisco Chapo, de ter destinado os bens ofertados às instituições carenciadas, imediatamente a seguir ao anúncio das ofertas, embora não manifestada de forma expressa, pressupõe a não aceitação da oferta e, consequentemente, a não violação da Lei de Probidade Pública;

2. A oferta a Sua Excelência o Presidente da República, feita pela governadora da província de Gaza, Margarida Sebastião Mapandzene Chongo, em nome da população da província de Gaza, viola a Lei de Probidade Pública, no seu n.°2 do artigo 41, por se tratar de bens manifestamente de valor superior a um terço do salário do servidor em causa;

3. O servidor público deve ter conhecimento dos deveres, limites e restrições impostos pela lei, não devendo ofertar e nem aceitar, de forma expressa, clara e inequívoca, qualquer oferta legalmente inadmissível”.

Tendo em atenção a deliberação acima reproduzida, e que importa analisar, é de referir que no que diz respeito ao n.°1, a CCEP, tendo todos os elementos na sua posse para decidir sobre o assunto de forma objectiva, e tendo em atenção o previsto na LPP, uma vez que as ofertas foram feitas publicamente, vem basear-se em simples suposições quando refere que “[a] acção do Presidente da República, Daniel Francisco Chapo,(…) embora não manifestada de forma expressa, pressupõe não aceitação da oferta”. O sublinhado é nosso. Como se pode depreender do sublinhado, a CCEP faz uma análise baseando-se em pressupostos, concluindo, de seguida, que o chefe de Estado não teria aceitado os bens ofertados. A informação atinente as ofertas feitas ao chefe de Estado na referida ocasião está patente nos meios de comunicação social escrita e audiovisual que cobriram a sua visita à província de Gaza, sendo que a CCEP deveria ter recorrido a tais meios para melhor se elucidar, solicitando cópias das gravações ou os jornais onde a informação foi publicada, o que evitaria que se baseia-se em simples pressupostos para decidir, substituindo-se aos factos existentes e facilmente consultáveis.

Há que referir ainda que, de forma deliberada, a CCEP contorna a análise ao estabelecido no n.°1 do artigo 42 da LPP, que serviu de base para o CIP apresentar a sua participação/requerimento demonstrando que o PR violou a LPP. O n.°1 do artigo 42 da LPP estabelece do seguinte modo: “[o] servidor público não deve, pelo exercício das suas funções, exigir ou receber benefícios e ofertas, directamente ou por interposta pessoa, de entidades singulares ou colectivas, de direito moçambicano ou estrangeiro”. É que, como se pode depreender do artigo supracitado, trata-se de uma proibição peremptória. A nenhum servidor público é permitido receber ofertas pelo exercício das suas funções, independentemente do seu valor. Sendo que o chefe de Estado é por lei servidor público.

No que diz respeito ao n.°2 da deliberação (vide supra), é de contestar a interpretação feita pela CCEP ao transferir de forma deliberada a clara violação das regras que regulam o conflito de interesses do PR unicamente para a governadora da província de Gaza, fundamentando a sua interpretação no n.°2 do artigo 41 da LPP que estabelece que:

2. São incluídas na proibição estabelecida no número 1 do presente artigo todas as ofertas com valor superior a um terço do salário mensal do titular de cargo político ou servidor público, pago pela entidade pública para que presta serviços, seja, nomeadamente, em:

a) moeda nacional ou estrangeira;
b) bens móveis de qualquer natureza, tais como mobiliários, electrodomésticos, joias e outro tipo de artefactos;
c) bens imóveis ou em quaisquer serviços de reparação dos imóveis do agente público, bem como o seu arrendamento;
d) viaturas, embarcações ou quaisquer meios de transporte;
e) férias pagas;
f) quaisquer tipos de ofertas ou vantagens.

Da análise do n.°2 do artigo 41 o que se retira é que somente é feita a indicação das ofertas proíbidas.
Posteriormente, a deliberação no n.°3 refere que o servidor público “não deve ofertar ou aceitar”. Outrossim, o artigo 10 da LPP estabelece-se que: “[o] servidor público observa os valores de boa administração, credibilidade e autoridade da Administração Pública, dos seus órgãos, serviços e honestidade no desempenho da sua função não podendo solicitar ou aceitar, para si ou para terceiros, directa ou indirectamente, quaisquer presentes, empréstimos, facilidades ou quaisquer ofertas que possam pôr em causa a liberdade da sua acção, a independência do seu juízo e a credibilidade e autoridade da Administração Pública, dos seus órgãos e serviços”.

Da interpretação do artigo supracitado é de concluir que as responsabilidades deveriam ter recaído tanto no PR (não existem evidências factuais de que recusou as ofertas, uma vez que a CCEP baseia-se em pressupostos), como na governadora da província de Gaza uma vez que o primeiro aceitou receber e a segunda fez a oferta dos bens, mesmo agindo alegadamente em nome da população da província de Gaza.

Do acima exposto há fortes indícios de a CCEP ter agido no sentido de proteger o chefe de Estado, ao atribuir a prática de conflito de interesses somente à governadora da província de Gaza, Margarida Mapandzene.

Com a deliberação produzida pela CCEP acaba-se criando um precedente, uma espécie de “jurisprudência” que poderá, doravante, ser seguida por todos os servidores públicos. Baltazar Fael – CIP

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