
Rafique escapou por pouco. Ainda tremia quando contou ao nosso jornal o que viveu durante a hora mais longa da sua vida, em Memba, na província de Nampula.
O jovem, de cerca de 20 anos, foi capturado por um grupo de terroristas quando tentava fugir dos ataques que assolam a região. “Levaram-me até uma mangueira. Disseram para eu ficar quieto com eles”, recorda. Logo ali, os insurgentes retiraram-lhe 150 meticais, juntamente com outro rapaz que também tinha sido apanhado. O chefe do grupo chegou a afirmar que devolveriam o dinheiro — algo que nunca aconteceu.
“Perguntaram-me de que religião eu era”
Assim que foi capturado, Rafique foi interrogado.
“Perguntaram-me de que religião eu pertencia. Eu respondi que sou muçulmano.”
Para confirmar, um dos terroristas chegou a examinar-lhe a testa. Convencidos, pouparam-lhe a vida — pelo menos por enquanto.
Forçado a apontar casas de cristãos
Os insurgentes queriam que Rafique indicasse casas de pessoas cristãs para queimarem. O chefe, porém, disse ao grupo:
“Esse não vai explicar nada. Vamos queimar todas as casas e deixar apenas a que está perto da mesquita.”
Foi exatamente o que fizeram. As chamas consumiram casas e bens de famílias inteiras, enquanto os terroristas recolhiam roupas, alimentos e outros artigos das barracas e mercearias.
“Ofereceram-me bebidas e roupa. Recusei tudo.”
Durante o ataque, Rafique viu os insurgentes saquearem bebidas — refrigerantes: Frozy, Dragon — e distribuírem entre si.
“Deram-me também. Recusei”, diz.
Numa outra barraca, levaram casacos e chinelos, que também tentaram entregar-lhe.
“Eu disse que não podia aceitar. Disse que os donos podem feitiçar as coisas a qualquer momento.”
A resposta gerou desconfiança, mas o grupo acabou por insistir apenas para que bebesse um energético. Rafique manteve-se firme: não aceitou nada.
Testemunhou os amigos capturados
Enquanto era levado pelos atacantes, viu dois amigos também capturados. Tudo indicava que seriam executados.
“Olhei para eles e já não tinha esperança. Pensei que era o fim para todos nós.”
A promessa de liberdade — e um aviso
Depois de algum tempo, o grupo decidiu libertá-lo, juntamente com uma senhora que também estava sequestrada. Antes de o deixarem ir, avisaram:
“Ali na frente vais cruzar com outros nossos. Não podes falar com eles. Já ligámos a dizer que libertámos algumas pessoas.”
O jovem sabe que a sua sobrevivência dependeu dessa chamada. À frente, estaria um outro insurgente, responsável por execuções.
“Os que estavam comigo ligaram para ele, a dizer que eu estava liberado. Caso contrário, eu não estaria vivo agora.”
“Eu só queria sair dali com vida”
Quando os terroristas lhe perguntaram se conseguiria encontrar o caminho de regresso, Rafique respondeu sem hesitar:
“Vou chegar, sim.”
E caminhou sozinho, ainda a tremer, até reencontrar outros habitantes que também tentavam fugir.
Rafique é apenas um entre dezenas de milhares que vivem aterrorizados pela onda de ataques que atinge Memba. A sua história é uma das poucas que não terminaram em morte.
