
Crise no INE: Falhas na execução do IPC ameaçam qualidade dos dados e credibilidade institucional

Maputo – O Instituto Nacional de Estatística (INE) está sob fortes críticas devido a falhas graves na condução do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), um dos principais instrumentos de medição da inflação em Moçambique. Especialistas e observadores alertam que a estrutura atual de recolha de dados compromete seriamente a fiabilidade dos resultados e, consequentemente, a formulação de políticas públicas eficazes.
Com mais de 30 milhões de habitantes e 144 distritos administrativos, Moçambique exige uma cobertura estatística robusta que capte a diversidade económica e social do país. No entanto, o INE decidiu alocar apenas 32 inquiridores e 182 recenseadores para a operação do IPC, o que é considerado manifestamente insuficiente para garantir representatividade, sobretudo em zonas rurais e em regiões com desafios logísticos como Cabo Delgado.
“Esta decisão é inaceitável e reflete uma gestão negligente por parte do INE”, observa uma fonte ligada ao setor estatístico. A referência a operações anteriores, como o Inquérito aos Orçamentos Familiares (IOF) 2019-2020, que contou com uma amostra de 13.560 agregados familiares e equipas significativamente maiores, reforça a necessidade urgente de reforçar os recursos humanos. Especialistas recomendam a mobilização de pelo menos 432 inquiridores e recenseadores, o equivalente a três por distrito, com reservas adicionais para áreas de maior densidade populacional.



Além da frágil estrutura de recolha, o processo de recrutamento do INE é também alvo de críticas severas. Num país onde o desemprego atinge níveis superiores a 60%, o processo tornou-se um campo fértil para esquemas de corrupção e exclusão social. Para apenas 32 vagas disponíveis, estima-se que haja até 300 mil candidatos. Contudo, os requisitos impostos — como a obrigatoriedade de autenticar documentos — geram custos proibitivos que ultrapassam, por vezes, os salários oferecidos. Esse modelo, além de desincentivar os mais vulneráveis, permite o florescimento de práticas ilícitas, onde taxas administrativas e intermediários lucram em detrimento da equidade e da transparência.
“É um sistema perverso que transforma uma oportunidade de trabalho em mais um mecanismo de exploração da juventude desempregada”, afirma um analista de políticas públicas. A crítica é reforçada por alegações de que parte do orçamento destinado aos salários é eclipsado pelos ganhos obtidos através de cobranças abusivas, alimentando redes de favorecimento e desvio de fundos públicos.
Como soluções imediatas, propõe-se não só o aumento do número de inquiridores, mas também uma profunda reformulação do processo de recrutamento. Entre as medidas recomendadas estão a eliminação de taxas desnecessárias, a implementação de plataformas digitais transparentes e acessíveis, e o investimento em tecnologias como o sistema CAPI (Computer-Assisted Personal Interviewing), que permite maior eficiência e precisão na recolha de dados. Paralelamente, deve-se facilitar o acesso a programas de formação para os candidatos, reduzindo as barreiras financeiras que limitam a qualificação dos mesmos.
A manutenção do modelo atual ameaça não apenas a qualidade dos dados recolhidos pelo INE, mas mina a confiança da população nas instituições estatais e perpetua ciclos de exclusão social. Para assegurar a credibilidade do IPC e garantir oportunidades de emprego justas, a adoção urgente das reformas propostas é imperativa.
O país não pode continuar a medir a sua realidade económica com instrumentos deformados pela ineficiência e pela injustiça.
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