
Moçambique classificado entre os piores países do mundo em direitos humanos, segundo HRMI

Moçambique continua entre os países com o pior desempenho global em matéria de direitos humanos, de acordo com o mais recente relatório da organização não governamental Human Rights Measurement Initiative (HRMI). O país é colocado ao mesmo nível que Estados como a China e o Quénia no que diz respeito à violação sistemática de liberdades civis, direitos políticos e garantias básicas de dignidade humana.
O estudo da HRMI, divulgado este ano, mostra que Moçambique obteve 2,1 pontos em 10 na categoria “segurança face ao Estado” — um dos indicadores mais graves — que avalia práticas como detenções arbitrárias, tortura, desaparecimentos forçados e uso excessivo da força por parte das autoridades. A pontuação é considerada extremamente baixa e demonstra a ausência de garantias de proteção para os cidadãos contra abusos cometidos por agentes do Estado.
Liberdades políticas e de expressão sob ameaça
No campo dos direitos de empoderamento — que inclui liberdades políticas, direito ao voto, liberdade de expressão e de associação — Moçambique registou apenas 3,4 pontos em 10, segundo a mesma fonte. Esta classificação coloca o país entre os que oferecem menos espaço para a participação cívica e o exercício de direitos democráticos em todo o mundo.
Especialistas nacionais e internacionais ouvidos pela HRMI alertam para um ambiente cada vez mais repressivo, em que jornalistas, activistas e cidadãos comuns enfrentam riscos reais ao tentar exercer direitos básicos. Casos de censura, detenções arbitrárias, repressão de protestos e intimidação de opositores políticos são cada vez mais recorrentes.
Violência pós-eleitoral e repressão policial
As conclusões da HRMI são corroboradas por organizações como a Human Rights Watch (HRW) e a Amnistia Internacional. Ambas documentaram uma onda de repressão severa após as eleições autárquicas de outubro de 2024, marcadas por fortes indícios de fraude e contestação popular.
Entre os dias 21 de outubro de 2024 e 24 de janeiro de 2025, as forças de segurança moçambicanas terão recorrido a força letal e detenções em massa para travar manifestações, muitas das quais pacíficas. A Amnistia Internacional denuncia o uso de munições reais, violência indiscriminada e detenções de menores de idade. A organização estima que mais de 300 pessoas terão sido mortas, embora as autoridades apenas reconheçam 96 óbitos.
Durante esse período, houve também restrições ao acesso às redes sociais e à internet, impedindo a comunicação e a partilha de denúncias por parte da população. Várias organizações da sociedade civil consideram que o país viveu um dos momentos mais negros da sua história recente em termos de liberdades públicas.
Direitos económicos e sociais também em declínio
Além das liberdades civis e políticas, Moçambique regista também défices no cumprimento de direitos económicos e sociais. O relatório da HRMI indica que o país cumpre apenas 70,3% das suas obrigações no direito à educação. Se, por um lado, há um desempenho quase pleno no ensino primário, o ensino secundário tem uma cobertura de apenas 40,5% do que seria possível com os recursos disponíveis.
Na área da saúde, Moçambique apresenta um cumprimento de 78,5%, com destaque positivo na proteção à saúde infantil (95,2%), mas grande défice na saúde reprodutiva, com apenas 59,5% de cobertura adequada. A situação afeta particularmente mulheres e raparigas, dificultando o acesso a cuidados de saúde materna e planeamento familiar.
Classificação internacional
Na análise comparativa da HRMI, Moçambique aparece ao lado de países como a China, que regista 1,9/10 em direitos de empoderamento, e o Quénia, com 3,5/10. Esta comparação revela que Moçambique está no grupo dos países com sistemas mais autoritários, com profundas falhas estruturais em garantir direitos fundamentais.
Caminhos para a mudança
Especialistas consultados pela HRMI recomendam um conjunto de medidas para travar o declínio contínuo dos direitos humanos em Moçambique:
Reformas institucionais profundas, especialmente no sector da justiça, forças de segurança e administração eleitoral;
Maior transparência e responsabilização por abusos cometidos por agentes estatais;
Reforço da liberdade de imprensa e do espaço cívico, com garantias legais para o trabalho de jornalistas e organizações da sociedade civil;
Cooperação internacional e monitoria independente, incluindo da ONU e da União Africana.
Enquanto isso, a sociedade moçambicana enfrenta crescentes dificuldades em fazer ouvir a sua voz. Sem reformas estruturais e compromisso político genuíno, os indicadores de direitos humanos poderão continuar a deteriorar-se, afastando o país dos padrões internacionais a que está legalmente vinculado.
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