
29 de outubro de 2025 – Em um continente onde a terra grita promessas de opulência, Moçambique emerge como o paradoxo mais cruel: um tesouro geológico soterrado sob camadas de miséria humana. O país, banhado pelo Índico e abençoado com rubis que brilham como sangue coagulado na Mina de Montepuez, gás natural em volumes que poderiam iluminar a Europa, carvão mineral em depósitos que rivalizam com os da Austrália, ouro reluzente nas províncias do norte e grafite essencial para a revolução tecnológica global, ostenta um currículo de recursos que invejaria qualquer nação desenvolvida. No entanto, enquanto as multinacionais faturam bilhões, o povo moçambicano – mais de 32 milhões de almas – rasteja no limbo da extrema pobreza, ocupando o quarto lugar entre os países mais pobres do mundo em 2024, segundo o ranking do FMI por PIB per capita, que mal chega a US$ 1.300 anuais por habitante. O mapa da Visual Capitalist, via Voronoi, pinta um retrato ainda mais sombrio: com taxas de pobreza extrema acima de 60%, Moçambique é um dos 30 piores cenários globais, onde fome e exclusão social não são estatísticas, mas rotinas diárias.
É a clássica “maldição dos recursos”, essa armadilha neocolonial que transforma bênçãos minerais em venenos socioeconômicos. Descoberta em 2009, a Mina de Montepuez, operada pela britânica Gemfields, injeta cerca de 40% da produção mundial de rubis de alta qualidade no mercado global, gerando receitas que ultrapassaram os US$ 100 milhões em leilões recentes. Adicione a isso os projetos de gás liquefeito (LNG) em Cabo Delgado, liderados por gigantes como a TotalEnergies e a ExxonMobil, prometendo até US$ 50 bilhões em investimentos até 2030. O carvão de Tete, explorado pela empresa Indiana Vulcan (antes pela brasileira Vale), e as jazidas de ouro em Manica completam o quadro: Moçambique exportou minerais no valor de US$ 4,5 bilhões em 2023, segundo o Instituto Nacional de Estatística. Mas onde vai parar esse maná? Não para as estradas esburacadas de Nampula, nem para as escolas sem teto em Pemba, e muito menos para os bolsos dos mineiros que extraem rubis com as unhas sujas de terra vermelha.

A resposta é tão previsível quanto devastadora: corrupção endêmica, elites capturadas e um Estado frágil que dança ao som de acordos opacos com corporações estrangeiras. O escândalo das “dívidas ocultas” de 2016 – US$ 2 bilhões em empréstimos fraudulentos garantidos pelo governo para projetos fantasmas de atum e segurança marítima – ainda ecoa como um tiro no escuro. Políticos e empresários moçambicanos, muitos deles ex-funcionários da Frelimo, o partido no poder desde a independência em 1975, embolsaram fortunas enquanto o FMI cortava auxílios e investidores estrangeiros hesitavam. Hoje, com insurgências jihadistas em Cabo Delgado – alimentadas, ironicamente, pela desigualdade que o gás prometia mitigar –, projetos bilionários estão paralisados, deixando comunidades inteiras como reféns de um conflito que já matou milhares e deslocou mais de 800 mil pessoas.
E o povo? Continua na miséria, como um refrão esquecido. Mais de 70% da população vive com menos de US$ 2,15 por dia, segundo o Banco Mundial, em um país onde o analfabetismo ronda os 50% e a desnutrição infantil é norma, não exceção. Mulheres em vilarejos de Inhambane tecem cestos enquanto sonham com o gás que poderia aquecer suas casas; crianças em Tete brincam entre pilhas de carvão, inalando poeira que encurta suas vidas. “Temos diamantes nos olhos e fome no estômago”, resume Ana Maria, nome fictício, uma artesã de 42 anos em Montepuez, cujos rubis vendidos por centavos financiam iates em Zurique. A dependência de commodities voláteis agrava o ciclo: uma queda nos preços globais do gás, como visto em 2024, e o PIB despenca, arrastando salários públicos e investimentos sociais para o abismo.
Críticos como o economista e defensor da direitos humanos, moçambicano Adriano Nuvunga, do Centro para a Democracia e Direitos Humanos, não poupam palavras: “Moçambique é um laboratório para o extrativismo predatório. Recursos que deveriam ser escada para o desenvolvimento viram escavações para o enriquecimento de poucos”, disse num live na sua página do Facebook. Relatórios da Transparência Internacional confirmam: o país patina na 142ª posição no Índice de Percepção de Corrupção, com mineradoras estrangeiras pagando impostos irrisórios – muitas vezes menos de 5% das receitas – graças a isenções fiscais generosas demais. Onde está a soberania? Perdida em contratos confidenciais, longe dos olhos do Parlamento ou da sociedade civil.
No horizonte, há vislumbres de resistência. Movimentos como a Justiça Ambiental em Moçambique pressionam por royalties mais justos e participação comunitária, ecoando o sucesso parcial de nações como o Botswana, que canalizou diamantes para educação e saúde. Mas sem uma reforma radical – transparência radical, diversificação econômica além das minas e uma governança que priorize o humano sobre o mineral –, Moçambique arrisca perpetuar sua sina. Em 2025, enquanto o mundo brilha com seus rubis e consome seu gás, o povo moçambicano clama por uma revolução que não venha debaixo da terra, mas do alto: da vontade política de romper as correntes da abundância amaldiçoada. Caso contrário, o segundo (ou quarto) lugar na tabela da pobreza não será um dado estatístico, mas uma sentença coletiva. MozToday










