
Observadores internacionais apontam violações democráticas, protestos mortais e apagão da internet durante pleito de outubro.
A Missão de Observação Eleitoral da União Africana (AUEOM) divulgou nesta terça-feira um duro relatório preliminar sobre as eleições gerais realizadas na Tanzânia em 29 de outubro, concluindo que o pleito não atendeu aos padrões democráticos africanos e internacionais. O documento aponta graves irregularidades no processo eleitoral, incluindo protestos mortais, apagão da internet e restrições à participação da oposição.
Liderada pelo ex-presidente de Botsuana, Mokgweetsi E.K. Masisi, a missão contou com 72 observadores de 31 países africanos que acompanharam o processo eleitoral entre 14 de outubro e 3 de novembro. O relatório representa uma das avaliações mais críticas já emitidas pela União Africana sobre eleições em um país-membro.
Oposição Enfraquecida e Clima Político Conturbado
O contexto político das eleições foi marcado pelo boicote do principal partido de oposição, CHADEMA, que se recusou a participar do pleito alegando falta de reformas eleitorais. A situação se agravou com a prisão do presidente do partido, Tundu Lissu, acusado de traição, e do vice-presidente John Heche, sob acusações de imigração.
Além disso, a Suprema Corte baniu o CHADEMA de realizar atividades políticas por suposto uso desproporcional de recursos partidários, efetivamente neutralizando a principal força de oposição do país. O candidato presidencial do ACT-Wazalendo, Luhaga Mpina, também foi desqualificado por alegado descumprimento de requisitos de candidatura.
“Comparado a eleições anteriores, esses desenvolvimentos diminuíram significativamente a competitividade das eleições de 2025”, afirma o relatório.
Falhas no Arcabouço Legal
A missão identificou lacunas críticas na estrutura legal tanzaniana que violam padrões democráticos regionais e internacionais. Entre as principais preocupações está o Artigo 41(7) da Constituição, que proíbe contestações judiciais de resultados de eleições presidenciais, e o Artigo 39(1), que impede candidaturas independentes.
“Essas disposições violam os princípios fundamentais do direito a uma audiência justa perante um tribunal competente, independente e imparcial”, critica o documento, citando a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
A missão também questionou a independência da Comissão Eleitoral Nacional Independente (INEC), cujos membros são todos nomeados pelo presidente, contrastando com a prática em Zanzibar, onde dois comissários são recomendados pela oposição.
Dia da Eleição: Violência e Apagão
O dia da votação começou tranquilo, mas rapidamente se transformou em caos. Protestos violentos eclodiram em diversas cidades, incluindo Dar es Salaam, Mbeya, Mwanza e Dodoma, com relatos de disparos de armas de fogo, bloqueio de estradas e queima de pneus.
Por volta das 11h do dia 29 de outubro, o governo implementou um apagão total da internet que se estendeu até 3 de novembro, quando a missão deixou o país. O bloqueio comprometeu severamente a capacidade dos observadores de monitorar e relatar sobre o processo eleitoral.
“Esse desenvolvimento infeliz impediu o acesso dos cidadãos à informação e limitou a capacidade dos observadores eleitorais de observar e relatar plenamente elementos cruciais do processo eleitoral”, destaca o relatório.
A missão também registrou um toque de recolher imposto repentinamente, sem comunicação formal às autoridades, deixando observadores e motoristas encalhados e forçados a buscar abrigo em casas de moradores locais.
Irregularidades nas Urnas
Apesar de observar procedimentos pacíficos em várias seções eleitorais, a missão documentou graves irregularidades. Em algumas seções, observadores viram eleitores receberem múltiplas cédulas para votar, caracterizando fraude eleitoral.
“A Missão observou enchimento de urnas em várias seções eleitorais, onde eleitores receberam múltiplas cédulas para votar, comprometendo a integridade da eleição”, aponta o documento.
Em outros casos, observadores foram solicitados a deixar as seções antes da conclusão da contagem de votos, limitando a transparência do processo. Algumas seções com urnas presidenciais não tinham representantes partidários ou observadores presentes.
A abstenção foi notável em todas as seções observadas, indicando apatia eleitoral e desengajamento do processo democrático.
Avanços e Retrocessos na Inclusão
O relatório reconhece esforços positivos da Tanzânia em algumas áreas. O país registrou 37,6 milhões de eleitores, sendo 50,3% mulheres, e incluiu detentos de 130 prisões no registro eleitoral. As taxas de candidatura para o cargo de deputado aumentaram para 32,2% de mulheres, acima dos 23,3% em 2020.
No entanto, a participação feminina nas eleições de conselhos locais permaneceu baixa, com apenas 9,6% de candidatas. A missão também observou que os assentos especiais reservados continuam sendo o principal caminho para a representação feminina no Parlamento, em vez de disputas eleitorais competitivas.
Quanto aos jovens e pessoas com deficiência, o relatório aponta barreiras significativas à participação, incluindo restrições administrativas para obtenção de documentos de identificação e falta de mecanismos estruturais para garantir representação.
Mídia Sob Pressão
A missão constatou que a mídia estatal mostrou “viés discernível” em favor do partido governante CCM, restringindo a visibilidade de partidos de oposição. Plataformas digitais foram bloqueadas durante o período eleitoral sob alegações de ataques cibernéticos a contas governamentais.
“Numerosos veículos foram descredenciados ou banidos, e jornalistas trabalharam sob diretrizes restritivas de reportagem que cercearam a liberdade de imprensa e o acesso público a informações diversas”, afirma o documento.
Vítimas e Apelo por Investigações
A missão lamentou a perda de vidas durante os protestos pós-eleitorais e expressou condolências às famílias enlutadas. O relatório também lamenta os danos a propriedades privadas e infraestrutura pública decorrentes dos protestos relacionados às eleições.
“Ao defender a lei e a ordem, a Missão insta as instituições de segurança na Tanzânia a exercer contenção e respeitar os direitos humanos”, declara o documento, encorajando investigações transparentes para garantir justiça aos afetados.
Conclusão Severa e Chamado por Reformas
Na sua avaliação preliminar, a AUEOM concluiu que as eleições gerais de 2025 na Tanzânia não cumpriram com os princípios da União Africana, estruturas normativas e outras obrigações internacionais para eleições democráticas.
“O ambiente ao redor das eleições — antes, durante e imediatamente depois — não foi conducente à condução pacífica e aceitação dos resultados eleitorais”, sentencia o relatório.
A missão convoca a Tanzânia a priorizar reformas eleitorais e políticas para abordar as causas fundamentais dos desafios democráticos testemunhados. Tais reformas devem ser baseadas em conduta transparente e responsável por instituições estatais, inclusão de visões divergentes, participação cidadã e respeito aos direitos humanos.
Um relatório final com conclusões detalhadas e recomendações será publicado dentro de dois meses após a declaração oficial dos resultados eleitorais.
A Tanzânia realiza eleições multipartidárias desde 1995, sendo este o sétimo pleito geral do país sob o sistema democrático. A presidente Samia Suluhu Hassan assumiu o cargo em 2021 após a morte do presidente John Pombe Magufuli.
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