
O preço oculto da pornografia: Shaun Flores e Cortney Bruketta rompem o silêncio sobre o vício e a recuperação

Durante muito tempo, a pornografia foi tratada como um tema tabu, confinado à esfera privada e raramente discutido com seriedade nas conversas sobre saúde mental. Mas nos últimos anos, algumas vozes corajosas têm se levantado para expor os efeitos silenciosos desse consumo compulsivo. Duas dessas vozes são Shaun Flores e Cortney Bruketta — ex-viciados em pornografia que agora se dedicam a educar e alertar sobre os riscos emocionais, psicológicos e espirituais que enfrentaram.
“Eu era escravo de algo que parecia inofensivo”: a história de Shaun Flores
Shaun Flores, modelo, ativista e orador britânico, teve o primeiro contacto com pornografia aos 11 anos. “Foi quase instantâneo. Comecei a consumir com regularidade e não percebia que se estava a transformar num vício”, conta ele, hoje com 28 anos. Ao longo dos anos, Shaun desenvolveu comportamentos compulsivos, muitas vezes assistindo pornografia várias vezes por dia.
“Comecei a perder o controlo. Era como um ciclo: tédio, pornografia, culpa, repete”, explica. Mais tarde, Shaun seria diagnosticado com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), agravado por obsessões de natureza sexual e religiosa. “A pornografia não só alimentava o TOC como também destruía a forma como eu me via — como homem, como ser humano”, disse em uma palestra no TEDx.
A viragem veio quando procurou ajuda profissional e descobriu fóruns de apoio como o NoFap, onde pessoas comprometidas em abandonar a pornografia partilham estratégias de autocontrolo e recuperação. “Hoje, não se trata apenas de parar de ver pornografia. Trata-se de reconstruir a minha vida emocional, de voltar a sentir prazer nas coisas simples”, conclui Shaun, que hoje dá palestras sobre saúde mental e masculinidade consciente.
“Fingir que está tudo bem só me afundava mais”: o relato de Cortney Bruketta


Cortney Bruketta viveu durante anos o que descreve como “uma vida dupla”. Nas redes sociais, mostrava-se como uma mulher cristã devota e equilibrada. Mas por trás das câmaras, escondia um vício intenso em pornografia. “Eu consumia diariamente, às vezes mais de uma vez. E cada vez que assistia, sentia-me pior. Era uma prisão silenciosa”, revela.
O ponto de rutura veio quando percebeu que esse comportamento estava a afetar a sua vida espiritual, autoestima e relacionamentos. “A pornografia distorceu o meu olhar sobre o sexo, sobre o amor e sobre mim mesma. Comecei a acreditar que nunca seria suficiente para alguém”, conta.
Cortney procurou ajuda através de programas cristãos como Pure Desire Ministries e Covenant Eyes, ferramentas que combinam apoio psicológico, fé e tecnologia para ajudar viciados a recuperar o controlo. “Foi duro, mas libertador. Encontrei força na fé e no testemunho de outras pessoas que passaram pelo mesmo.”
Hoje, partilha a sua história em podcasts e eventos, defendendo que o vício em pornografia não escolhe género nem religião. “Há milhares de mulheres presas ao mesmo ciclo. É hora de começarmos a falar disso abertamente.”
O que dizem os especialistas?
Segundo a Dra. Paula Ribeiro, psicóloga clínica com especialização em adições comportamentais, a pornografia “ativa os mesmos circuitos cerebrais da dopamina que drogas como cocaína ou heroína”. Isso explica por que muitas pessoas desenvolvem comportamentos compulsivos, mesmo sem perceber.
“A pornografia afeta a maneira como o cérebro processa prazer e recompensa. A longo prazo, pode prejudicar o desejo sexual real, distorcer expectativas de intimidade e contribuir para isolamento emocional”, alerta.
Estudos publicados na Psychology Today e na Journal of Behavioral Addictions revelam ainda que o vício em pornografia está associado a níveis mais elevados de ansiedade, depressão e disfunção erétil, especialmente entre jovens adultos.
Consequências reais e silenciosas
Os efeitos do consumo excessivo de pornografia não se limitam ao indivíduo. Muitos relatam dificuldades em manter relacionamentos estáveis, insatisfação sexual, isolamento social, procrastinação crónica e uma crescente sensação de vazio.
“Há um mito de que pornografia é inofensiva ou até educativa. Mas, como qualquer outra dependência, ela pode destruir a capacidade da pessoa de viver plenamente o presente”, diz o terapeuta sexual André Pires.
“Libertar-se é possível“
As histórias de Shaun e Cortney mostram que, apesar da vergonha e do silêncio que envolvem este tipo de vício, a recuperação é possível. Ambos provam que falar, procurar ajuda e construir rotinas saudáveis são passos fundamentais para sair desse ciclo.
“É preciso coragem para reconhecer que algo nos domina. Mas é preciso ainda mais coragem para enfrentá-lo”, conclui Shaun. Imagens: BBC
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