
O partido político moçambicano PODEMOS apresentou, esta semana, uma queixa-crime contra o académico e activista dos direitos humanos, Adriano Nuvunga, acusando-o de calúnia e difamação contra o seu presidente, Albino Forquilha. A iniciativa surge na sequência das declarações públicas de Nuvunga que, segundo o partido, “ofendem a honra e o bom nome” do seu líder, particularmente em torno do controverso caso dos 219 milhões de meticais, recentemente arquivado pelo Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC).
A queixa foi submetida ao Ministério Público, e nela o partido alega que o activista “difundiu acusações falsas e irresponsáveis” ao insinuar que Forquilha estaria envolvido em práticas ilícitas associadas ao referido montante, que teria sido desviado de fundos públicos. O caso em causa ganhou ampla cobertura mediática e polarizou a opinião pública nos últimos meses.
O caso dos 219 milhões: um dossiê encerrado?
O “caso 219 milhões” refere-se à alegada má gestão ou desvio de fundos públicos no contexto de contratos públicos e transferências de verbas cujo destino final foi considerado pouco claro. A Procuradoria-Geral da República havia anunciado a abertura de investigações, que culminaram com a intervenção do GCCC.
Na passada semana, o GCCC emitiu uma nota a declarar o arquivamento do processo, por considerar que “não havia matéria criminal suficiente que justificasse o prosseguimento da investigação” e que os indícios recolhidos não sustentavam as acusações de desvio de fundos. A decisão foi recebida com surpresa por vários sectores da sociedade civil, incluindo activistas, académicos e figuras da oposição, que criticaram a falta de transparência no processo.
As declarações de Nuvunga e a resposta do PODEMOS
Adriano Nuvunga, conhecido pelas suas intervenções contundentes contra a corrupção e impunidade no país, foi um dos críticos mais vocais do arquivamento. Em entrevistas a órgãos de comunicação social e nas redes sociais, Nuvunga sugeriu que o arquivamento do processo poderia estar a proteger figuras politicamente expostas e reiterou que o caso carece de um esclarecimento mais profundo e imparcial.
Foi neste contexto que, segundo o PODEMOS, Nuvunga terá feito afirmações que “ultrapassaram os limites da liberdade de expressão”, ao colocar directamente em causa a integridade de Albino Forquilha. O partido considera que tais declarações configuram “um ataque gratuito à honra pessoal do seu líder e uma tentativa deliberada de descredibilizar o partido”.
Em conferência de imprensa realizada esta segunda-feira, o porta-voz do PODEMOS afirmou que “ninguém está acima da lei, nem mesmo quem se apresenta como defensor dos direitos humanos” e reiterou que a queixa-crime visa “restabelecer a verdade e proteger a dignidade” de Forquilha. “Respeitamos a liberdade de expressão, mas ela não pode ser confundida com libertinagem ou campanha de difamação,” acrescentou.
Reacções divididas na sociedade civil
A acção judicial movida contra Nuvunga gerou reações mistas. Organizações da sociedade civil e defensores dos direitos humanos expressaram preocupação com o que consideram uma tentativa de intimidação e silenciamento de vozes críticas. “É inaceitável que se usem processos judiciais como forma de coagir activistas que exigem transparência,” declarou uma representante da Plataforma de Observação da Cidadania Activa.
Por outro lado, alguns analistas políticos alertam para os riscos de politização da justiça e defendem que tanto os acusadores quanto os acusados devem responder pelos seus actos com base em factos e provas concretas, evitando alimentar discursos de confronto.
Até ao momento, Adriano Nuvunga ainda não se pronunciou publicamente sobre a queixa-crime, embora fontes próximas ao activista indiquem que a sua defesa será feita “com base na Constituição e na liberdade de expressão consagrada na legislação moçambicana”.
Um ambiente político em tensão
Este episódio surge num momento delicado do ambiente político nacional, marcado por acusações cruzadas entre partidos, denúncias de má gestão de fundos públicos e crescente pressão da sociedade civil por reformas profundas no sistema judicial e político.
Com as eleições gerais previstas para o final do próximo ano, analistas observam que a crescente judicialização de disputas políticas pode ser um sinal de endurecimento das estratégias partidárias. A forma como este processo será conduzido poderá servir como um termómetro da independência das instituições judiciárias e do respeito às liberdades fundamentais no país.
Enquanto isso, os olhos estão voltados para os próximos passos do Ministério Público e para o posicionamento de Adriano Nuvunga, que deverá definir o rumo deste caso que, mais do que jurídico, já assume contornos claramente políticos.